As novas tecnologias disruptivas, sob a perspectiva de um jovem advogado – SANDBOX

Por Bruno Mendonça

Dando sequência a proposta da série de artigos intitulada “As novas tecnologias Disruptivas”, e antes de nos aprofundarmos propriamente nos aspectos jurídicos dos modelos de inovação característicos da quarta revolução industrial, é apropriado, em nome de uma abordagem estrutural e epistemológica, realizarmos um exercício de apreensão de como se orienta o processo legislativo sobre novas conjecturas sociais e, em contrapartida, como esse processo histórico vem sendo influenciado pelo relacionamento entre o direito e as recentes dinâmicas disruptivas.

Historicamente, o processo de leitura das mutações sociais e regulação jurídica sempre se deu a partir, e no interesse, do regulador que, por meio de convicções próprias, ainda que eventualmente influenciadas por pressões externas, entendia o momento adequado para criar ou alterar determinada norma. Ocorre que, a partir da consolidação das Companhias Exponenciais, empresas inovadoras que crescem em velocidades antes inconcebíveis, e do desenvolvimento do macro ambiente econômico impactado pela difusão de empresas de tecnologia e inovação, se fez necessário repensar a interação e assimilação dos novos sujeitos regulados, tendo sido adotado como principal expoente desta orientação de vanguarda, o mecanismo da Sandbox.

A Sandbox ou “caixa de areia” é um termo apropriado da computação e nos remete a um espaço de prototipagem, ou seja, trata-se de um ambiente controlado, isolado do sistema operacional da máquina, e voltado para execução de testes de novos programas, considerados não seguros, sem que os produtos da sua operação, e potenciais danos, comprometam o sistema principal. Esta lógica aplicada na órbita legislativa se revela uma excepcional ferramenta de conformação de políticas públicas. A sua grande virtude é a formação de espaços experimentais que permitam às empresas inovadoras operar temporariamente com desconto regulatório em relação à regulamentação existente e, em contrapartida, oportuniza às autoridades regulatórias uma melhor compreensão da complexidade e da dinamicidade destas tecnologias disruptivas, além, é claro, de potencializar a capacidade de uma regulação contextualizada, que reconheça as particularidades dos sujeitos a ela submetidos e melhor contribua com a evolução dos acontecimentos sociais.

Países como Reino Unido, Cingapura e Austrália, além de Hong Kong (território autônomo da China) e, mais recentemente, Brasil (desde a publicação da Instrução CVM 626, de 15 de maio de 2020), já adotam o conceito de Sandbox em matéria regulatória, mormente para o mercado financeiro (fintechs). O que muito pouco se discute, contudo, é a potencial aplicabilidade deste conceito para outras matérias normativas, carentes, em grande medida, de uma observação empírica e contextualizada, a exemplo da regulamentação tributária.

Nos últimos dias muito se tem questionado sobre os impactos da proposta de fragmentação da reforma tributária, após a entrega pelo Governo Federal da primeira parte de seu projeto, o qual estabelece o fim do PIS e Cofins, substituído pela CBS, com uma alíquota única de 12%. Apesar do recorte ser uma estratégia assumida pelo Governo Federal para facilitar a aprovação do plano e das vantagens notórias em matéria de simplificação, já há quem pregue cautela em razão da timidez da proposta e mesmo aqueles que se insurgem em razão do recrudescimento da exação para setores específicos.

Vale dizer que os ânimos, e tensões, reformistas, não se concentram exclusivamente na proposta do Governo Federal, uma vez que há também propostas parlamentares tramitando simultaneamente nas duas casas legislativas, a exemplo das PECs 45/2019 e 110/2019. Em verdade, a discussão da reforma tributária perpassa pelas mãos de inúmeras gerações de congressistas ao longo dos últimos 30 anos, sem que até então tenha sido estabelecido um denominador comum entre os vários interesses partidários envolvidos.

Diante de tamanhas indefinições históricas e de um contexto marcado, sobretudo, por uma grave crise econômico-sanitária decorrente da pandemia da Covid-19, é seguro dizer que a margem de erro do governo é extraordinariamente estreita, sob o risco de agravar ainda mais a situação de segmentos já combalidos, a exemplo do setor de serviços Brasileiro, que registrou uma retração de 15,4% no 2º trimestre de 2020¹. Com efeito, diagnosticado o risco de uma reforma mal dimensionada, urge a necessidade de se pensar em mecanismos de verificação prévia, que levem em conta as particularidades do contribuinte, especialmente através de calibragens progressivas, a partir de bases e alíquotas setoriais, preservando, por exemplo, características de empregabilidade, impacto social e capacidade produtiva.

Neste contexto, ganha urgência a extensão do ainda recente instituto da Sandbox e notoriedade o impacto causado pelas novas tecnologias disruptivas, não apenas no microssistema da tecnologia, mas sobretudo no modo de se fazer política e se pensar o direito.




Notas e Referências Bibliográficas

¹Acesso: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/13/setor-de-servicos-cresce-5percent-em-junho-aponta-ibge.ghtml
Direito exponencial: O papel das Novas tecnologias no Jurídico do Futuro / Cintia Ramos Falcão, Tayná Carneiro, coordenação. 1ª edição – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. Advocacia 4.0 / coordenação Viviane Nóberga Maldonado e Bruno Feigelson. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. CAVALCANTI, Eduardo M. Machado. OLIVEIRA, Luciana M Vieira da Silva. Sandbox tributário: o MVP na reforma tributária. Artigo veiculado no site JOTA, em 29/07/2020. Acesso: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sandbox-tributario-o-mvp-na-reforma-tributaria-29072020