COVID-19 pode ser considerada uma doença ocupacional?

Por Caio Natividade Gonçalves

Com a transformação do cenário das relações de trabalho provocada pela pandemia da Covid-19, surgiram inúmeras questões e desafios para empregadores e empregados. Neste momento de retomada de parte parcial do trabalho presencial, uma questão em especial vem ao centro do debate: a infecção de um empregado pelo vírus causador da Covid-19 pode ser considerada uma doença ocupacional?

Para responder tal questão, é importante rememorar a discussão desde o início.

Como uma das primeiras ações do governo sobre as questões trabalhistas em tempos de pandemia, foi editada a Medida Provisória 927 de 2020. Referida norma dispunha, em seu artigo 29, que os casos de contaminação pelo Corona vírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Não demorou muito para que tal disposição fosse questionada no Supremo Tribunal Federal. Por maioria de votos, o STF suspendeu a validade do artigo 29 da MP 927/2020. Esta decisão, não quer dizer que os casos de contágio pela Covid-19 serão considerados, automaticamente, como doença decorrente do trabalho, ou seja, doença ocupacional.

O que de fato a decisão traz é que haverá presunção de existência desse nexo causal, quando da infecção do empregado em decorrência das atividades desempenhadas pela empresa. Pelo artigo 818, II, da Consolidação das Leis do Trabalho, caberia ao empregado provar o fato constitutivo de seu direito, ou seja, que o contágio pela Covid-19 se deu em razão de sua atividade na empresa. Entretanto, nessa situação específica, cabe ao empregador demonstrar que o contágio não deriva do exercício das atividades profissionais do empregado, uma vez que há uma inversão do ônus da prova, conforme autoriza o §1º do artigo 818 da CLT.

Neste sentido, o Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, considerou sem razão exigir que o empregado comprove a relação entre a contaminação por Covid-19 e a atividade laboral, ante a impossibilidade de definir com precisão a circunstância em que a doença tenha sido contraída.

A polêmica sobre a questão ganhou um novo capítulo no dia 02 de setembro de 2020, com a publicação da portaria 2.345/20 do Ministério da Saúde, qual retirou a Covid-19 da lista de doenças relacionadas ao trabalho. Já no dia seguinte, 03 de setembro de 2020, foi protocolado no congresso nacional o projeto de Decreto Legislativo nº 388/20, que visa sustar os efeitos da referida portaria do Ministério da Saúde, tal projeto aguarda votação.

Ou seja, a discussão ainda não possui uma resposta definitiva. Entretanto, é importante ressaltar que auditores fiscais do trabalho e o Ministério Público do Trabalho estão aferindo diretamente nos estabelecimentos a adequação dos protocolos adotados pelos empregadores, que visam reduzir o risco de contágio pela Covid-19, bem como, exigindo a emissão de CAT, em caso de empregados em regime de trabalho presencial infectados, sob pena de lavratura de Auto de Infração e/ou propositura de medida judicial pelo MPT.

Diante do exposto, por cautela, recomenda-se aos empregadores que, sempre que possível, mantenha os empregados em regime de trabalho remoto, o agora popular home office. Quando o trabalho presencial for imprescindível, é fundamental a adoção, e respectiva documentação, de medidas que visem a redução do risco de contágio pela Covid-19 no ambiente de trabalho, assim como no deslocamento até o estabelecimento do empregador, sempre em conformidade com as orientações das autoridades médico sanitárias.

Por fim, é importante esclarecer que esta transformação no cenário das relações de trabalho é relativamente nova, de modo que as demandas judiciais que tratem de casos concretos ainda não foram apreciadas pelos tribunais em volume que permitam indicar uma tendência de como será o entendimento jurisprudencial a respeito da matéria. Certo é, no entanto, que quanto maior for o esforço dos empregadores em reduzir o risco de contágio de seus empregados, menor será o risco trabalhista.