Por Bruno Mendonça
Num contexto de mercados altamente competitivos, marcados pela guerra de preços e grande quantidade de players, não é incomum nos depararmos com engenhosas soluções para atrair clientes, consolidar o posicionamento da marca e, via de consequência, aumentar o fluxo de caixa das empresas. Recentemente, vem ganhando espaço, especialmente na estratégia de grandes varejistas e instituições financeiras, uma solução que, além das metas já apontadas, visa impactar diretamente o bolso do consumidor final, promovendo, em última instância, a famigerada “geração de valor para o cliente”, princípio vetor do comércio 4.0. Estou me referindo às políticas de “Cashback”.
A palavra Cashback vem do inglês “Cash”, que significa “Dinheiro” e “Back”, que significa “Voltar”. Em tradução livre temos “Dinheiro de Volta.” Se trata de um programa de incentivo ao consumo que devolve para o cliente parte do valor das compras efetuadas, numa espécie de recompensa pela transação, baseado em teorias da psicologia de consumo distintas daquelas que motivam os programas de desconto. A lógica é simples, quanto maior a quantidade e o valor das compras realizadas nas plataformas, aplicativos e sites aderentes ao sistema de Cashback, maior o dinheiro reembolsado. Cada empresa possui sua própria política e estratégia de incentivo, com porcentagens de reembolso que variam de acordo com a “agressividade” do programa.
A título ilustrativo, o Banco Inter S.A. se consolidou em 2020 como a maior plataforma de Cashback do Brasil (Shopping, cartões e investimentos), com mais de 50 milhões em Cashback desde o lançamento do programa em 2019. De acordo com os relatórios financeiros publicados (https://ri.bancointer.com.br/), foram transacionados no quarto trimestre de 2020 (4T20) R$ 632,4 milhões na Inter Shop (GMV), crescimento de 1.535% quando comparado ao 1T20 e de 68% em relação ao trimestre anterior. No 4T20 o GMV foi impulsionado pela Orange Friday e pelo Natal, ocasiões em que o programa de Cashback assumiu papel de protagonismo na plataforma.
Do ponto de vista comercial, já não remansam dúvidas sobre os retornos exponenciais gerados pelo sistema de cashback. Contudo, no que diz respeito aos aspectos tributários e contábeis é preciso se atentar a algumas especificidades que podem impactar negativamente a economia da política, em especial sob a perspectiva das empresas pagadoras de cashback.
É importante, a princípio, notarmos a sutil diferença entre o sistema de cashback e o sistema de descontos. Apesar de ambos terem o mesmo efeito financeiro, operam segundo lógicas distintas. No primeiro caso, o vendedor cobra o valor cheio, para depois reembolsar o consumidor final, mediante depósito direito na conta bancária, com a porcentagem pré-determinada no anúncio, enquanto no segundo caso, o vendedor deixa de cobrar uma fração do valor anunciado, logo, o dinheiro não troca de mãos. Essa distinção operacional poderia gerar toda sorte de interpretações fiscais, prós e contras aos interesses do contribuinte, não fosse pela pacificação promovida pela Receita Federal do Brasil, quando emitiu a Solução de Consulta COSIT 653/2017, tratando o cashback como desconto concedido ao cliente posteriormente.
Portanto, segundo a RFB, o sistema de cashback equivale ao sistema de descontos, para efeitos fiscais. Mas o que essa decisão implica na prática?
O sistema de descontos encampa hoje dois regimes fiscais distintos, a depender da sua oferta de forma incondicional ou condicional. Os descontos incondicionais são, em regra, considerados parcelas redutoras do preço de vendas, quando constarem da nota fiscal de venda dos bens ou da fatura de serviços e não dependerem de evento posterior à emissão desses documentos. Essa parcela descontada não se inclui na receita bruta da pessoa jurídica vendedora e não serve de base de cálculo para IRPJ, CSLL, PIS/Cofins. Já os descontos condicionais são aqueles que dependem de evento posterior à emissão da nota fiscal e configuram despesa financeira para o vendedor, servindo, portanto, de base de cálculo para IRPJ, CSLL, PIS/Cofins.
De posse dessas considerações, não é raro nos depararmos com o pedido dos pagadores de cashback de 30 dias para reembolso, prazo usado para avaliação do “cumprimento das condições” elencadas na política de cashback da empresa, em especial o cumprimento de prazo e forma de pagamento.
Esta orientação, amplamente replicada pelos principais players envolvidos no sistema de cashback, tem o grande potencial de conferir ao programa a natureza de desconto condicional, onerando injustificadamente as empresas pagadoras, diante de outras alternativas, a exemplo da contabilização dos descontos como abatimento do valor da venda incondicional, desde que o programa deixe claro que o cliente não precisa cumprir nenhum requisito para receber o cashback ou, caso o estabelecimento de regras e condições sejam imprescindíveis, a contabilização dos descontos como despesa (e não como redução de receita), o que, em apertada síntese, poderia excluir os descontos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Muito além da adoção de uma ou outra ferramenta de promoção de negócios baseada nas teorias psicológicas (de consumo) que a revolvem, é indispensável que negócios sustentáveis lastreiem suas estratégias em arranjos contábeis e fiscais adequados. Afinal de contas, se estamos tratando de um programa que ambiciona a máxima eficiência das curvas “Geração de valor para o cliente” e “Crescimento exponencial para os negócios”, não se pode tolerar a sabotagem dos resultados do programa pela própria empresa.