Por Welson Matos
Desde o início de sua vigência, o Novo Código de Processo Civil – 2015 – apresentou temas controvertidos, seja em relação às inovações conceituais e principiológicas às quais se propôs, seja em relação ao real significado do quanto restou textualmente legislado, seja até mesmo em relação aos limites e aplicações das ferramentas nele trazidas.
E no bojo dessas controvérsias é possível listar inúmeras situações, que vão desde a supressão de procedimentos especiais antes explicitamente previstos, até a atribuição de poderes ao magistrado para “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial” – art. 139, IV – em um leque de possibilidades tanto extenso quanto genérico.
Dentre tais alterações, e controvérsias, encontra-se a Ação de Exibição de Documentos, a qual ganhou ares ainda mais robustos de ação autônoma, nos termos dos art. 396 e seguintes do Novo Código de Processo Civil.
Juntamente, então, com o novo procedimento, uma nova celeuma foi estabelecida, particularmente ao quanto disposto no parágrafo único do art. 400 do CPC/2015, que assim prevê: “Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.”
Isso porque, ao elencar as medidas possíveis, optou o legislador pela não adoção da expressão “multa cominatória”.
Tal entendimento – pela impossibilidade da aplicação da multa – mostrou-se então bastante fortalecido, tanto pelo Diploma Processual anterior – 1973 –, o qual ainda pesava no pensamento jurídico dos operadores do direito, quanto pelo entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, cristalizado na Súmula n. 372, segundo a qual: “Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.”
Nesse cenário seguiu-se durante os primeiros anos de vigência do Novo CPC uma série de decisões contraditórias, não apenas em relação à aplicabilidade da multa cominatória – ainda que não expressamente prevista –, mas até mesmo em relação à suposta natureza da ação exibitória.
Com vistas a pacificar o entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.803.251/SC, em Novembro de 2019, sob a Relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, não apenas ratificou a possibilidade do ajuizamento de ação autônoma, como decorrência do direito material à prova, mas também afirmou a superação da Súmula n. 372, passando então a admitir a aplicação de multa cominatória acaso o demandado se recusasse injustificadamente a fornecer os documentos exigidos.
Tal decisão, então, já apontava à consolidação do novel entendimento, amplamente aceito inclusive pelos doutrinadores pátrios: “[…] o novo Código inovou ao permitir que o juiz, se necessário for, adote medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido (art. 400, parágrafo único). Com essa previsão, o NCPC afasta o entendimento da Súmula nº 372 do STJ, que impedia a imposição de multa à parte que descumprisse a ordem exibitória” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. pág. 483).
Assim, em julgamento realizado na última semana, o Superior Tribunal de Justiça deu a palavra final à tormentosa questão, estabelecendo que é possível ao magistrado a imposição de multa periódica coercitiva objetivando a exibição de documentos ou coisa, em conformidade com o previsto no já mencionado art. 400, parágrafo único do CPC/2015.
A discussão perante a Corte Superior teve início com a afetação, em 06/11/2018, do Recurso Especial nº 1.763.462/MG, como representativo da controvérsia – “cabimento ou não de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015” –, a qual passou a figurar no Tema 1.000 dos Recursos Repetitivos; cabendo então, à Corte de Precedentes, restabelecer a segurança jurídica, em face do aparente conflito entre o novo diploma processual e a até então vigente Súmula n. 372.
O atual entendimento foi concretizado com o julgamento do mencionado Tema 1.000, pela 2ª Seção da Corte Superior, restando fixada a tese segundo a qual: desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibida, apurada em contraditório prévio (artigo 398 caput), poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no artigo 400, parágrafo único do CPC/2015.
A ideia substancial defendida pelos ministros para a fixação da tese supratranscrita é que a adoção das medidas elencadas no parágrafo único do artigo 400 do CPC/2015 decorre diretamente do dever de cooperação insculpido no artigo 6º do mesmo código.
Assim, ainda que o mencionado texto legal não preveja expressamente a imposição de multa cominatória, ela é possível haja vista tratar-se de uma espécie do gênero “medidas coercitivas”.
Nas palavras da Ministra Nancy Andrighi, “O modelo processual de 2015 confere claramente maior importância à ampla e exauriente elucidação dos fatos e busca pela verdade, objetivo que deve ser atingido mediante cooperação de todas as partes, o que torna inadmissível, à luz da boa-fé objetiva, a ocultação ou a não apresentação injustificada de documento ou coisa e, de modo geral, a própria inercia ou omissão em matéria instrutória”.
Há que se ter em mente, porém, que a pacificação da questão nem de longe se mostra o capítulo final dessa história, máxime se considerado que, na prática, sua aplicação irá depender de uma atuação firme do Poder Judiciário, seja no sentido de não permitir que se crie, a partir de então, uma “indústria da multa” – baseada em documentos ou relações jurídicas inexistentes –, seja no sentido de, mesmo diante da recalcitrância do requerido, não se permitir seja a multa estabelecida em valores irrisórios, que fatalmente não proporcionarão o objetivo buscado.
Nesse sentido, o estabelecimento, pela tese fixada, da obrigatória existência de contraditório prévio e do necessário uso anterior de outras medidas coercitivas podem servir de importantes ferramentas a fim de se evitar qualquer espécie de desvirtuamento do instituto em questão.