Por Bruno Mendonça
Não é preciso ser especialista para reconhecer a complexidade da estrutura tributária Brasileira e seus desdobramentos sobre nossas políticas públicas e, especialmente, sobre nossa matriz econômica. Não por menos, as propostas acerca da iminente reforma tributária se prestam a retomar velhos dilemas e promover releituras de alguns aspectos relevantes do nosso regime tributário. Uma oportunidade de deixarmos de lado a posição estanque de espectadores quanto aquilo que nos é diariamente imposto, para assumirmos o papel de protagonismo, que tanto nos é caro, nesse jogo de poderes chamado democracia.
Num primeiro momento, não há dúvidas sobre a importância dos tributos na conformação do Estado enquanto ente prestador de serviços essenciais, afinal os impostos são os principais financiadores do orçamento público, destinados ao custeio da segurança pública, saúde, previdência, educação e tudo quanto seja indispensável à realização da dignidade da pessoa humana.
Apesar da necessidade de aporte financeiro do Estado para consecução de seus fins institucionais, a Constituição estabeleceu, em atendimento aos valores do Estado Democrático de Direito, uma série de restrições ao poder de instituição, fiscalização e arrecadação tributária, como forma de coibir os avanços arbitrários do Estado, em matéria fiscal. Dentre o festejado e extenso rol de limitações previsto na nossa Constituição merece destaque apontar aquele que, a meu ver, traz à luz o mais democrático princípio tributário constitucional e um dos pilares fundantes da estrutura fiscal, o Princípio da Capacidade Contributiva. O referido postulado é fundado na promoção da igualdade material em matéria tributária, ou seja, trata-se de norma especialmente voltada ao legislador, a fim de que este, no exercício típico de suas atribuições normativas, considere as particularidades econômicas de cada contribuinte, ofertando tratamento diferenciado àqueles que se encontrem em posições financeiras diferentes, em nítido esforço de reparação da marcante desigualdade social que assola o país.
Igualmente nítido, no entanto, especialmente em tempos de crise, é o sentimento de corrosão indiscriminada do salário sofrido pelas classes de baixa renda, fruto – não apenas, mas também – da presença maciça do fisco nos atos da vida cotidiana. O sentimento não é infundado, mesmo diante da proteção conferida pelo princípio da capacidade contributiva.
Ocorre que os impostos aptos a sofrer a incidência do Princípio da Capacidade Contributiva em sua máxima amplitude, especialmente aqueles incidentes sobre a renda e o patrimônio, detém tímida expressão em números globais sobre a carga tributária nacional. A realidade da nossa estrutura tributária sugere que o Brasil – habitualmente elencado entre as dez maiores economias do mundo – vem, apesar disso, insistindo em uma política de baixa afetação fiscal da renda, lucros e ganhos de capital (grandes indicadores de riqueza), quando comparado às potências Europeias e nossos vizinhos Latinos.
Um exemplo perturbador dessa situação é a inexpressiva importância do ITR (imposto de competência da União incidente sobre a propriedade rural) no cômputo das receitas. Dados de 2015 da Receita Federal revelaram que o imposto arrecadou apenas 0,01% do PIB daquele ano, fração bem aquém do potencial arrecadatório de um país reconhecidamente latifundiário. Exemplo ainda mais inquietante é o caso do IGF (imposto de competência da União instituído sobre grandes fortunas). Apesar de expressa previsão Constitucional, o IGF tem sua instituição condicionada à edição de uma lei complementar ainda não redigida pelo Congresso Nacional e por isso tem vida apenas no mundo da abstração normativa.
Bom, mas como custear a operacionalização de um país de proporções continentais como o Brasil, classificado entre os mais populosos do mundo e reiteradamente assolado por escândalos de corrupção e desvio de dinheiro, apenas com as parcas cifras advindas da tributação sobre a renda e o patrimônio? Certamente o que arrecadamos a esse título é insuficiente para custear as nossas reinvindicações sociais e as competências de um estado marcadamente interventivo, daí haver um elevado número de impostos incidentes sobre o consumo de produtos e serviços, os chamados impostos indiretos, representantes de mais da metade da carga tributária nacional. O problema dos impostos indiretos como o ICMS (imposto de competência dos estados incidente sobre a circulação de mercadorias e serviços e responsável pela maior arrecadação tributária nacional) é a desconsideração, em regra, das características econômicas pessoais do contribuinte, uma vez que não se leva em conta quanto a pessoa ganha, mas apenas o valor da operação, ou seja, quanto ela consome.
A CF/88 estabelece que o princípio da Capacidade Contributiva deva ser aplicado sempre que a natureza do imposto permitir, em outras palavras, nem sempre sua aplicação será cabível. A fim de mitigar esse obstáculo, o ordenamento estabelece diversos instrumentos de concretização do princípio, considerando as particularidades de cada imposto, é o caso da progressão (ex. Imposto sobre a Renda: quanto maior a base de cálculo, maior a alíquota) e da seletividade (ex. IPI: Cigarros, tidos como bens supérfluos, têm alíquota de 330%, ao passo que produtos essenciais como leite e ovos, têm alíquota zero).
Ainda assim, mesmo diante da louvável engenhosidade legislativa, a seletividade e a progressão de alguns impostos se revelam insuficientes para fazer frente às tantas outras hipóteses de impostos não amparados pelo mecanismo protetivo, o que provoca a ascensão do cruel fenômeno da regressão tributária. Isso significa que o idêntico tratamento tributário entre ricos e pobres diante dos impostos sobre consumo (repita-se, representativos de mais da metade da nossa carga tributária) compromete parcela superior da renda dos menos favorecidos, enquanto desonera quem detém maior capacidade para contribuir, alimentando a concentração de riquezas, o alijamento de parte da população do mercado consumidor e o distanciamento das classes sociais.
Enfim, não é fácil debruçarmos sobre tema tão sensível em tão poucos caracteres, mas a minha ambição, longe de ser exaurir a questão, é alimentar o debate sobre o rumo das nossas Políticas Públicas em matéria tributária, especialmente em tempos de reforma legislativa, e estimular a reflexão sobre a representatividade do Estado nos dias de hoje.