Por Luís Toscano
“Blockchain” talvez seja o estrangeirismo mais falado da língua portuguesa ultimamente, e não é para menos, dada a sua importância na criação de toda uma nova dinâmica na Economia global. Em resumo, Blockchain é uma espécie de base de dados descentralizada. Em que pese a palavra ter ingressado recentemente no vocabulário de quem não é especializado no assunto, tem-se que os primeiros trabalhos em Blockchain foram descritos ainda em 1991 por Haber e Stornetta[1], preocupados em proteger dados digitais de adulterações quanto à data de criação ou das últimas modificações sofridas.
De maneira bem simplificada e sintética, a primeira Blockchain desenvolvida de maneira prática foi a relacionada à Bitcoin, espécie de moeda virtual (“Criptomoeda”) que não é regulada por nenhuma autoridade central e que, por isso mesmo, necessita manter um registro inalterável e inviolável das transações feitas com ela, tendo em vista a garantia de imutabilidade, segurança e credibilidade[2]. Tendo tais informações em mente, fica mais fácil (ou, pelo menos, menos difícil) compreender que a tecnologia da Blockchain permite a criação de um arquivo digital com especificações únicas, razão pela qual cada vez mais vão sendo desenvolvidas novas utilizações para a mesma, para além das sempre polêmicas Criptomoedas.
Neste sentido, chama a atenção o NFT (Non-Fungible Token – Token Não Fungível), que também se utiliza da mesma tecnologia. Trata-se de uma espécie de certificado digital que serve para fazer prova da propriedade de um ativo também digital, garantindo a quem o possui o direito de transferir ou vender um bem completamente digital. Os NFTs estão cada vez mais em voga, principalmente por notícias como a de que o influenciador digital brasileiro Felipe Neto anunciou no último mês uma plataforma para a criação e comercialização de “criptoartes”[3]; a de que um “meme” de dez anos atrás foi vendido por US$ 590.000,00[4], ou ainda a de que o CEO do Twitter realizou a venda de seu primeiro Tweet por valor equivalente a R$ 15,9 milhões (!)[5].
Assim, é muito claro o potencial que os NFTs têm para, de um lado, movimentar elevados valores monetários, e de outro, gerar especulação igualmente elevada. E isto se dá, principalmente, pela ausência de regulamentação e pela insegurança jurídica decorrente da ausência de jurisprudências dos tribunais brasileiros quanto ao tema, até mesmo por se tratar de algo tão relativamente recente. Contudo, é inegável que, a se julgar pelo caso de criptomoeda mais famoso, a já referida Bitcoin, quem aceita ousar nestes momentos de incerteza pode se beneficiar grandemente: criada em 2009, a cotação da criptomoeda em 2010 era de R$ 0,34, e em 2020 já alcançava o valor de R$ 79.405,00[6]. Não obstante, no ano passado, a criptomoeda teve valorização de 323%, com previsões de que chegará a até 400% em 2021[7]. É possível vislumbrar de maneira mais clara a aplicação de NFTs em conteúdos “colecionáveis”, a exemplo de álbuns de música com conteúdo vinculado exclusivo, itens colecionáveis exclusivos em games, etc. Contudo, o fato de que a posse de NFT referente a “memes”, por exemplo, não é requisito para visualizar ou mesmo reproduzir uma imagem semelhante (salvo aquela original) é capaz de gerar grandes questionamentos sobre uma atribuição de valor de certa forma arbitrária, já que embora a oferta seja reduzida, há que se analisar em que se embasaria o interesse pelo arquivo.
Em uma comparação grosseira, tome-se um rascunho de desenho feito pelo autor deste artigo que, sem falsa modéstia, não possui os dotes artísticos de um Michelangelo. O referido rascunho seria, de fato, único. Mas não parece lógico pressupor que, simplesmente pela singularidade da obra, a mesma mereceria alcançar os valores de um mesmo rascunho feito por Leonardo da Vinci, ou Picasso. E tomo por exemplo obras de arte porque é fato público e notório que pessoas mal intencionadas costumam usá-las como forma de lavagem de dinheiro[8], o que demonstra a capacidade humana de eventualmente subverter a Blockchain e os NFTs para servir a interesses escusos.
Some-se a esta triste constatação o fato de que a economia global vem atravessando grande crise em decorrência da pandemia de COVID-19, com o consequente aumento de índice de desemprego e/ou de baixa renda, que por sua vez geram pessoas desesperadas por novas fontes de renda. Além disso, sabe-se também que viver de renda é o sonho de muitos, contudo é uma meta que demanda estudo, preparação, estratégia e, por que não dizer, até mesmo sorte. Isso torna ainda mais fácil cair em armadilhas especulativas onde parece ser bem fácil ganhar dinheiro.
Diante das lacunas normativas e regulatórias, das incertezas de um mercado por si só abstrato e da inegável coexistência neste mesmo meio de pessoas inescrupulosas e inocentes, o conhecimento, o pragmatismo e uma boa assistência técnico-jurídica são ferramentas cada vez mais essenciais para salvaguardar aqueles que desejem se aventurar no admirável mundo novo dos NFTs.
[1] HABER, Stuart; STORNETTA, W. Scott. How to time-stamp a digital document. Journal of Cryptology. Morristown, NJ, E.U.A., v. 3, p. 99-111, 1991. Disponível em https://link.springer.com/content/pdf/10.1007/BF00196791.pdf , acesso em 12/07/2021.
[2] Para maiores informações sobre a origem da palavra, bem como em relação ao funcionamento das Blockchains, é oportuno consultar https://www.criptofacil.com/o-que-e-blockchain-entenda-mais-sobre-a-tecnologia/.
[3] https://einvestidor.estadao.com.br/investimentos/felipe-neto-plataforma-nfts
[4] https://blog.nubank.com.br/o-que-e-nft/
[5] https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/ceo-do-twitter-vende-seu-primeiro-tweet-por-r-159-mi-como-nft-22032021
[6] https://bitnoticias.com.br/a-evolucao-do-preco-do-bitcoin-durante-seus-12-anos/
[7] https://www.moneytimes.com.br/conteudo-de-marca/por-que-o-bitcoin-valorizou-mais-de-300-em-2020/
[8] https://arteref.com/arte/curiosidades/lavagem-de-dinheiro-como-a-arte-tem-sido-usada-neste-esquema/