Negócio Jurídico Processual: Uma Ferramenta Para a Efetividade da Tutela Jurisdicional

Por Welson Matos

Dentre as novidades trazidas pelo (nem tão) Novo Código de Processo Civil, uma delas, embora já não fosse de fato uma inovação, permanece ainda pouco conhecida e, consequentemente, pouco utilizada.

Trata-se do Negócio Jurídico Processual – NJP –, regulamentado, ainda que de forma genérica, pelo art. 190 do mencionado diploma processual.

Em linhas gerais, buscou o legislador proporcionar aos contratantes a possibilidade de, em conformidade com as especificidades seja do objeto do contrato, seja da própria relação entre as partes, estabelecerem os “ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo” (art. 190, caput).

Mas, como mencionado inicialmente, longe de ser uma novidade, os negócios jurídicos processuais, embora sem a formalização agora obtida, já existiam sob a vigência do regramento processual anterior, apesar de limitadas às situações expressamente previstas, como se observa, por exemplo, na conhecidíssima cláusula de eleição de foro. Na prática, ao optarem pela eleição de foro, as partes, ainda que de forma não totalmente discricionária, escolhem onde querem ser julgadas, afastando a possibilidade de julgamento em foro diverso – frise-se, com as devidas exceções.

Coube então à sistematização do Negócio Jurídico Processual implementada pelo NCPC, a tarefa de expandir algo ainda incipiente – notadamente diante da vastidão processual que se opera nessas terras –, concedendo às partes a possibilidade de, a partir de então, ajustar também negócios atípicos, ou seja, aqueles cuja forma não esteja expressamente prevista.

Assim, na definição de Fredie Didier Junior, o Negócio Jurídico Processual é “o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: parte geral e processo de conhecimento. 20 ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 439.).

Em outras palavras, a importância do Negócio Jurídico Processual reside na possibilidade de as partes construírem, de acordo com o seu interesse e necessidades, os contornos da causa, seja quando da celebração do próprio negócio, seja durante o procedimento judicial já iniciado.

Sob esse viés, a inovação apresentada pelo Novo Código de Processo Civil foi o estabelecimento de uma cláusula geral de atipicidade para os Negócios Jurídicos Processuais. 

Nessa perspectiva, observa-se que o NJP possui fundamento no Princípio da Autonomia da Vontade, e tem, dentre seus principais propósitos, possibilitar uma prestação jurisdicional mais satisfatória, decorrente da cooperação entre os envolvidos, com vistas a decisões de mérito não apenas mais céleres, mas também mais efetivas, eis que proferidas em um contexto procedimental próximo à realidade dos envolvidos.

Contudo, embora tenham as partes logrado obter considerável liberdade, vale dizer que a celebração do NJP deve atender alguns limites para sua validade. 

Nesse sentido, o doutrinador Humberto Theodoro Junior de forma didática relaciona os requisitos apresentados no próprio texto legal – art. 190, NCPC –, cuja observância é obrigatória em tais acordos, sendo eles: “(i) a causa deve versar sobre direitos que admitam autocomposição; (ii) as partes devem ser plenamente capazes; e (iii) a convenção deve limitar-se aos ônus, poderes, faculdades e deveres das partes (art. 190, caput)” (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 719).

Sobre o primeiro requisito, destaca Daniel Amorim Assumpção Neves o acerto da posição adotada pelo legislador, na medida em que não confundiu direito indisponível com direito que não admite autocomposição, sobretudo porque é permitida a autocomposição ainda que o processo verse sobre direito indisponível (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016.). 

Com idêntico posicionamento, Didier Júnior ensina que “o direito em litígio pode ser indisponível, mas admite solução por autocomposição. É o que acontece com os direitos coletivos e o direito aos alimentos” (DIDIER JÚNIOR, 2016, p. 66).

Quanto à capacidade dos contratantes, a doutrina tem ensinado que, neste ponto, a capacidade tratada pelo art. 190 é a legitimatio ad processum, ou seja, a capacidade processual. NEVES sustenta que “a parte precisa ter capacidade de estar em juízo, de forma que mesmo aquelas que são incapazes no plano material ganham capacidade processual ao estarem devidamente representadas” (NEVES, 2016, p. 324).

Conclui-se ainda que o NJP está sujeito aos requisitos de existência e validade dos negócios jurídicos materiais. Assim, ausente qualquer dos requisitos disciplinados no art. 104 do Código Civil, ou mesmo verificada alguma das hipóteses do art. 166 do mencionado códex civilista, a celebração da convenção processual será inválida (HATOUM, NidaSaleh; BELLINETTI, Luiz Fernando. Aspectos relevantes dos negócios jurídicos processuais previstos no art. 190 do CPC/2015. Revista de Processo, ano 41, v. 260, p. 9, out. 2016.).

Como frisa Eduardo Nunes de Souza, os efeitos do NJP somente serão validados, reconhecidos e tutelados pelo Estado-Juiz na medida em que se mostrarem compatíveis e nos limites da legalidade (SOUZA, Eduardo Nunes de. Teoria geral das invalidades do negócio jurídico: nulidade e anulabilidade no direito civil contemporâneo. São Paulo: Almedina, 2017, pp. 95-96.).

Por fim, e ainda nesse sentido, tem-se claro que a possibilidade de as partes convencionarem sobre ônus, deveres e faculdades processuais limita-se àqueles a elas conferidos, dos quais têm plena disponibilidade, não atingindo, em nenhum aspecto, aqueles conferidos ao Poder Judiciário, ou mesmo princípio constitucionais, processuais, ou normas de ordem pública. 

De fato, o Código de Processo Civil, sob o aspecto da já referida cláusula geral de atipicidade, ampliou consideravelmente a autonomia das partes, notadamente quanto à possibilidade de ampla negociação com vistas à efetivação de Negócio Jurídico Processual que melhor atenda às particularidades do contrato por elas entabulado.  

Como ressaltou o Min. Luis Felipe Salomão no julgamento do Recurso Especial n. 1810444: “Ganha destaque a sistematicidade com que o novo CPC articulou uma cláusula geral de negociação, consagrando a atipicidade como meio apto à adequação das demandas às especificidades da causa e segundo a conveniência dos litigantes, sempre, é claro, moldada pelos limites impostos pelo ordenamento jurídico”.

Tem-se, assim que, enquanto por um lado o instituto do Negócio Jurídico Processual está intimamente ligado à possibilidade de uma flexibilização procedimental, com vistas a se obter uma tutela jurisdicional não apenas diferenciada e/ou específica, mas mais do que isso, real e efetiva; por outro, é manifesto que dita flexibilização não se mostra absoluta, na medida em que tanto a lei quanto a atividade jurisdicional – e principalmente esta, em face do caráter geral da norma em questão – trazem em si o dever fiscalizatório no tocante a obediência às normas e aos princípios constitucionais processuais, servindo estes de limites para as partes quando do exercício de tal direito. 

Com efeito, pode-se dizer que o objetivo do instituto regulamentado pelo NCPC foi de democratizar o processo, concedendo maior importância ao autorregramento das partes e, com isso, tornar a prestação jurisdicional mais célere e, sobretudo, mais eficaz.

Feitas tais ponderações, não há dúvidas de que o Negócio Jurídico Processual é uma legítima e importante ferramenta, se não introduzida, ao menos mais bem difundida pelo Novo Código de Processo Civil; a qual, desde que respeitados os limites legais e as garantias fundamentais do processo, pode proporcionar às partes um desfecho que, ainda que não o mais justo, talvez mais próximo da justiça almejada, notadamente porque mais próximo das particularidades e especificidades da situação trazida.