A Desconsideração da Personalidade Jurídica no âmbito tributário

Por Bruno Mendonça

O direito, enquanto matéria reservada ao regramento social das mais diversas relações interpessoais, caminha pari passu às demandas de uma sociedade cada dia mais transformada e transformadora. Nesse contexto, assim como a criação do véu patrimonial, que separa os sócios dos seus empreendimentos, se mostrou determinante para o desenvolvimento do livre mercado e do capitalismo do séc. XX, surge, a desconsideração da personalidade jurídica, por um caminho aparentemente inverso, como um dos maiores esforços jurídicos para proteção da economia moderna, ou porque não dizer, sem receio do exagero, um estandarte do princípio republicano.

A esse respeito, o novel Código de Processo civil inaugurou uma disciplina dedicada a instrumentalizar a desconsideração da personalidade jurídica, por meio de um novo incidente processual, conhecido como Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica – “IDPJ”, previsto nos artigos de 133 a 137 do códice processual. De um lado o novo procedimento pretende dar segurança e previsibilidade em relação ao processo de cobrança de crédito contra terceiro diverso do devedor, por outro lado pretende garantir que esse terceiro tenha a oportunidade e o direito de se defender adequadamente, antes de ser colocado no polo passivo de uma execução.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou disregard doctrine, fruto do sistema da commow law no Direito Americano, surgiu como uma saída ao ocultamento desvirtuoso de sócios e administradores, atrás do escudo da personalidade jurídica dos seus negócios, imputando a elas declarações de vontade e assunções de obrigações além das suas finalidades sociais, em exercício de abuso de poder ou confusão entre o que era de um e de outro. Hoje, consolidada no nosso direito pátrio, apresenta diferentes roupagens de apreciação e aplicação pelos tribunais, com efeito especialmente em matéria de direito civil, tributário e trabalhista.

No âmbito do direito tributário, é curioso observarmos que o IDPJ não é uma unanimidade.

Sequer o Superior Tribunal de Justiça – “STJ” – tem uma posição definida sobre a questão.

Enquanto a Segunda Turma não tem admitido o IDPJ em Execuções Fiscais, a Primeira Turma tem entendido que o IDPJ deveria ser instaurado em Execuções Fiscais em algumas situações, sobretudo quando não demonstrada a ocorrência de responsabilidade do terceiro e quando o mesmo não constar na Certidão de Dívida Ativa.

A justificativa por quem sustenta a inaplicabilidade do IDPJ em Execuções Fiscais caminha no sentido de que essa seria uma defesa alternativa do executado, não prevista na Lei de execuções fiscais – “LEF”, e implicaria na suspenção da execução sem a apresentação da garantia exigida por lei.

A despeito dessa divergência, se consolidou no Tribunal Regional Federal da 3ª Região – “TRF3” (estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul), o entendimento de que o IDPJ é aplicável também às Execuções Fiscais, a depender dos fundamentos do redirecionamento proposto pela Fazenda Pública. A Decisão paradigma foi publicada em meados do ano passado (20/5/2021), em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – “IRDR”, e era bastante aguardada por contribuintes.

De acordo com a tese que prevaleceu, o IDPJ se faz necessário quando o redirecionamento se pautar na alegação de “confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, art. 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados“.

Pelo exposto, o que nos resta claro é a importância do instituto da desconsideração em um contexto de economia de escala, forte no recrudescimento das condições de segurança negocial e garantia dos credores, e a certeza de atualizações a respeito da matéria processual a qualquer momento. Enquanto isso não acontece, cabe aos jurisdicionados do TRF3, dentre os quais se incluem os contribuintes paulistas, a segurança de não ser colocado inadvertidamente no polo passivo da Execução Fiscal, sem contraditório e ampla defesa.