Faca de dois gumes?

Por Bruno Mendonça

Não são inéditas as críticas à expansão da intervenção judicial na vida dos brasileiros. Encarregados da missão de uniformizar o entendimento do direito positivo, Juízes e Tribunais, não raras as vezes, proferem decisões que irradiam efeitos para além da discussão dos próprios autos, graças a uma arquitetura em cadeia da legislação, ou seja, ao enfrentar controvérsias pontuais e específicas, algumas decisões acabam por enveredar na direção de questões que, embora acessórias, não são menos relevantes. Essa situação é facilmente perceptível quando em análise a Ação Declaratória de Constitucionalidade (“ADC”) 49.

A ADC 49, oposta em 2017 pelo Estado do Rio Grande do Norte, discute essencialmente a constitucionalidade do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS nas transferências de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, ainda que localizados em unidades federativas distintas.

No dia 19 de abril de 2021, o STF julgou improcedente a referida ADC, prevalecendo o entendimento que afasta a cobrança do imposto estadual nas simples transferências de mercadorias, sem mudança de titularidade, em linha com a já consolidada súmula 166 do STJ, bem como o reconhecimento da inconstitucionalidade do §3º, II do art. 11 da LC 87/96, que impõe a autonomia de cada um dos estabelecimentos do mesmo titular.

Contudo, consoante as advertências manifestas no parágrafo introdutório, é necessário ter em vista que a autonomia dos estabelecimentos no âmbito do ICMS possui efeitos muito mais abrangentes do que a mera verificação da ocorrência do fato gerador, sendo elemento central, por exemplo, para apuração individualizada do imposto, a impossibilidade de comunicação de créditos e débitos escriturados em estabelecimentos situado em estados diferentes. 

Nesse sentido, no dia 19 de abril de 2022, o Estado de São Paulo, por meio da Resposta à Consulta nº 25513/2022, estabeleceu que “enquanto não proferida a decisão final referente aos embargos de declaração (…) permanecem aplicáveis as atuais disposições legais condicionantes ao correto aproveitamento do crédito nas transferências entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular”. Isso quer dizer que, apesar de encampada a tese em favor do Contribuinte, no sentido de que o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, não configura fato gerador de incidência do ICMS, se criou o risco iminente de que Estados passem a glosar o crédito de ICMS tomado pelas empresas.

Eventual decisão, sem modulação de efeitos, que julgue a ausência de fato gerador do ICMS, acaba por julgar indiretamente a ilegalidade das compensações realizadas pelas empresas nos últimos 5 (anos), gerando enorme passivo em potencial.

Nos termos da Resposta à Consulta acima mencionada, a ADC segue em curso, em razão da oposição de Embargos de Declaração, com efeitos infringentes, pelo Estado do Rio Grande do Norte, no intuito de sanar as omissões ou, pelo menos, obter a modulação dos efeitos da decisão. Cabe a nós acompanhar de perto o julgamento dos Embargos de Declaração (atualmente suspenso, em decorrência do pedido de vista do Ministro Nunes Marques) e os seus possíveis desdobramentos e consequências à sistemática de tributação sobre o consumo no Brasil.