A resolução ANAC nº 576 e as novas possibilidades dos taxis aéreos pós pandemia

Por Luis Toscano

Ainda vivemos as mudanças ocasionadas pela Pandemia de COVID-19, que atinge, de forma mais direta ou indireta, conforme o caso, a praticamente toda atividade da sociedade humana. Independentemente de pesquisas oficiais e levantamento de dados acadêmicos, um fenômeno que não tem sido incomum e que se constata a partir de vários relatos nas redes sociais, por exemplo, é o deslocamento de pessoas das grandes capitais para os interiores, seja para continuar o período de quarentena e isolamento social junto à família, seja buscando um ambiente de maior tranquilidade para o desempenho do trabalho, o que é facilitado pelo agora amplamente adotado trabalho remoto, o tão falado “home-office”.

Fato é que esse deslocamento, embora venha lenta e gradativamente se tornando mais comum, não é plenamente facilitado pelo contexto de anormalidade que se apresenta desde o início da pandemia até o presente. Veja-se que, em se tomando por base o transporte aéreo, a Associação Brasileira de Empresas Aéreas – ABEAR, chegou a divulgar notícia segundo a qual a demanda de voos domésticos de suas associadas sofreu queda de 75%, tendo a demanda de voos internacionais sofrido baque ainda maior, que atingiu o patamar de 95%¹. Diante deste cenário desesperador, agravado pela importância do setor de transporte aéreo em um país de dimensões continentais como o Brasil, em 19/03/2020 foi publicada a MP 925/2020 (que foi convertida na Lei nº 14.034 em 05/08/2020), trazendo diversas medidas emergenciais com o intuito de atenuar os efeitos da crise no setor em questão.

Ocorre que, em que pese ser de conhecimento de todos que tais medidas se aplicam à aviação regular², ou seja, aquela que tem horários diários/semanais de voos bem definidos e de maior utilização pelos cidadãos brasileiros, não fica clara a aplicação destas medidas de mitigação de impactos aos voos fretados e de táxi aéreo³. O que se tem, então, é que, sem prejuízo dos conhecidos impactos sentidos nas maiores empresas de transporte aéreo nacional, a tendência de queda econômica se agrava ainda mais em se tratando dos “pequenos e médios empresários” do setor, que inegavelmente também movimentam toda uma cadeia econômica formada por oficinas, funcionários de aeroporto, passageiros e tripulantes, e que também desempenham importante função social representada pelo transporte aéreo nas regiões mais interioranas e carentes de infraestrutura do país; serviços de transporte aeromédico; deslocamentos via helicóptero em grandes centros urbanos; operações de transporte de malotes e cargas; voos de fretamento para regiões turísticas; operações de helicópteros em apoio à prospecção, etc4.

Ganha então grande importância a recente Resolução da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC nº 576, de 04 de Agosto de 2020. Essa resolução, voltada especificamente à regulação dos táxis aéreos, possibilita a comercialização de assentos individuais nas aeronaves destas empresas, em contraste com as regras anteriormente vigentes, segundo às quais a contratação do serviço de táxi aéreo estava condicionada ao fretamento da aeronave em si (ainda que fosse necessário, hipoteticamente, a contratação de uma aeronave que transportasse 7 passageiros para que apenas uma pessoa viajasse, por exemplo!). A referida Resolução tem vigência até 07/08/2022 e, sem dúvida alguma, aproxima o tipo de contratação a ser firmado com as empresas menores às relações de consumo representadas pelas compras feitas junto às companhias maiores, já mais conhecidas pelos passageiros brasileiros.

Em que pese não ser ainda o momento em que seja completamente recomendável juntar no ambiente fechado de uma aeronave uma diversidade de pessoas, a vigência da referida Resolução até o ano de 2022 indica a possibilidade de a mesma se tornar uma imprescindível ferramenta para a recuperação (e mesmo crescimento) do setor pós-pandemia, com a possibilidade de preços mais competitivos para a oferta do serviço, que tende a ser mais procurado agora que boa parte da população dos grandes centros urbanos percebeu a possibilidade de migrar para áreas mais interioranas, ao desempenhar o trabalho remoto, deslocando-se para centros urbanos maiores apenas quando houver demanda de reuniões e eventos semelhantes. Concomitantemente, o barateamento do serviço de passageiros pode trazer como uma consequência positiva uma maior competitividade do transporte aéreo simultâneo de cargas, trazendo um benefício sem igual às operações logísticas no Brasil, que ganhariam em agilidade e segurança, contornando o crônico problema das estradas rodoviárias precárias e perigosas, e da malha ferroviária e hidroviária ainda insuficientes diante das necessidades nacionais. Ou ainda, ao aumentar a rentabilidade da operação destas empresas de transporte aéreo, possibilitar a popularização dos serviços de UTI aérea, fundamentais na busca da promoção de um sistema de saúde mais universal e acessível aos cidadãos brasileiros.

De fato, tais expectativas referentes às enormes possibilidades apresentadas pelo modal aéreo de transporte, ainda mais na realidade do Brasil, que é o 5º maior país do mundo, e o 2º com maior número de aeroportos (atrás apenas dos Estados Unidos da América)⁵ seriam a concretização do sonho visionário de um certo Alberto Santos-Dumont, que nos idos de 1906 já idealizava projetos de aeronaves que serviriam à humanidade como um todo, o que inclusive lhe levava a não patentear suas brilhantes invenções para que pudessem ser acessíveis a quem quisesse.

No novo mundo que emergirá, ou melhor, que já vai surgindo enquanto a humanidade vai aprendendo a conviver com o desagradável vírus, é essencial que as normas e leis deixem cada vez mais de ser engessadas e paradas no tempo para serem instrumentos de transformação e fomento à recuperação e ao crescimento econômico. É uma enorme satisfação observar a ação de uma Agência Regulatória brasileira no sentido de realizar este estímulo, e ficamos na torcida para que cada vez mais esta espécie de ação seja mais comum.

Quem sabe assim poderemos utilizar uma realidade tão árdua e difícil como a da presente pandemia para atualizar nossas normas e regulamentações, e tornar o Brasil um país mais competitivo e atrativo economicamente.




¹ https://www.abear.com.br/imprensa/agencia-abear/noticias/abear-demanda-domestica-cai-75-e-a-internacional-95/

² Conforme o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil – RBAC 121, enquadram-se nesta categoria as operações feitas com aeronaves com mais de 19 assentos e acima de 3.400 kg de carga paga.

³ Em conformidade ao RBAC 135, aeronaves com até 19 assentos e até 3.400 kg de carga paga.

⁴ É oportuno destacar que, em que pese ao se tratar de empresas de transporte aéreo regular no Brasil existirem, praticamente, apenas 3 companhias aéreas, ao se consultar dados da ANAC em https://www2.anac.gov.br/arquivos/pdf/especializadas/Taxi%20Aereo%20-%20Lista%20de%20Autorizadas.pdf, nota-se a existência de mais de 150 empresas de táxi aéreo espalhadas pelo país, demonstrando a importância deste modal na desejável maior capilaridade das redes de transporte aéreo nas áreas mais interioranas e afastadas das grandes capitais.

https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2053rank.html