IMPACTOS DA APROVAÇÃO DO DIREITO À PROTEÇÃO DE DADOS COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Por Amanda Nehme

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, Lei nº 13.709/2018, foi aprovada com o objetivo de regulamentar o tratamento de dados pessoais e de tutelar os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. O diploma foi muito bem-vindo, pois concentrou a regulamentação do tema em apenas um local, quando antes o tratamento de dados era encontrado de maneira pontual e dispersa em outras leis.

Quando se fala da proteção de tratamento de dados pessoais, quer se dizer que o titular dos dados pessoais deve ter o poder de manejo na administração daquilo que lhe diz respeito. Os dados pessoais refletem informações que envolvem direitos de personalidade encontrados na Constituição Federal, como a liberdade de expressão (art. 3º, I e art. 5º, IX, CRFB/88), a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem (art. 5º, X, CRFB/88) e a privacidade (art. 5º, X, CRFB/88) e, também, no Código Civil. 

O direito a proteção de dados, como reflexo dos direitos de personalidade e a partir da sua regulamentação infraconstitucional, é considerado como direito fundamental. Explica-se: embora não previsto expressamente no texto constitucional, as manifestações da personalidade humana estão abarcadas no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88) como fundamento implícito dos direitos de personalidade. Dessa forma, tais direitos possuem regime jurídico constitucional, uma vez que estão compreendidos no art. 5º, §2º da Constituição Federal, cláusula aberta que não estabelece taxatividade sobre eles.

Na Era Digital o direito a proteção de dados é de suma importância, diante da massificação de coleta e tratamento de dados. Em episódio recente, dados importantes, como CPFs, endereços, imposto de renda, scores de crédito, entre outros dados, de mais de 200 milhões de brasileiros foram vazados, o que abriu portas para a coleta indevida e, até mesmo, para a aplicação de golpes. 

O Senado Federal, ao reconhecer a importância da proteção de tal direito, apresentou a Proposta de Emenda à Constituição nº 17/2019 que inclui a proteção de dados pessoais no rol de direitos do art. 5º da Constituição Federal, mais especificamente o inciso XII-A que dispõe: “é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais”. Além da inclusão do direito fundamental, a PEC também propõe a inclusão da competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais.

A proposta acabou de ser aprovada, em segundo turno, na Câmara dos Deputados e deve retornar ao Senado Federal para analisar as alterações sugeridas pelo Plenário e não deve encontrar obstáculos para, enfim, ser promulgada.

A justificativa da proposta para inclusão do direito fundamental e estabelecimento de competência privativa legislativa à União é promover a segurança jurídica e evitar paralelismos por outros entes federados sobre os conceitos de “dado pessoal” e “agentes de tratamento”, além de concentrar a competência fiscalizatória.

Dentre os reflexos da PEC está a possibilidade de estabelecimento de limites da proteção de dados pessoais. É preciso reconhecer que a interpretação que se deve realizar não é a de repressão, em que o Estado deve limitar todo e qualquer tipo de tratamento de dados para fins econômicos. Isso porque, como é sabido, nenhum direito fundamental é absoluto e pode ser objeto de limitações. Assim, a tutela de tratamento de dados também deve estar em consonância com o art. 6º da Lei Geral de Proteção de Dados que dispõem sobre os princípios da finalidade, da necessidade e da adequação, mas sem deixar de lado o legítimo proveito econômico da coleta e do tratamento dos dados pessoais, fruto da livre iniciativa. Diante disso, a hermenêutica do direito a proteção de dados deve sopesar também os demais direitos.

Portanto, o reforço do reconhecimento do direito fundamental a proteção de dados pessoais como um direito autônomo é de extrema relevância, pois, além de conferir proteção a um novo patamar aos titulares dos dados, também garante oportunidades para a atividade econômica de maneira mais legítima. Ademais, a inclusão de competência legiferante privativa da União para tratar sobre a matéria em questão é de suma importância para garantir a segurança jurídica.