A Declaração de Inconstitucionalidade do Art. 40, Parágrafo Único da Lei de Propriedade Industrial e o Fim do Prazo Indeterminado de Patentes

Por Welson Matos

Na última semana o Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, por meio de Decisão Liminar, a eficácia do parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial –, o qual regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

A decisão se deu nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.229, onde se discute a constitucionalidade do mencionado dispositivo legal, que assim dispõe: “Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito. Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.”

Nesse sentido, embora a Lei estabeleça que a as patentes possam ter validade de 20 anos, na prática, em razão da lentidão na análise dos processos submetidos ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, tal prazo pode ser estendido às vezes de forma indeterminada. Isso porque, a própria Lei confere ao depositante do pedido proteção patentária durante todo o período de tramitação do processo administrativo junto ao INPI.

Para a Procuradoria Geral da República – PGR, autora da Ação, a norma mencionada viola o Princípio da Temporariedade da Proteção Patentária, insculpido no art. 5º, inciso XXIX da Constituição Federal, eis que, ao permitir que o prazo da patente adquira um caráter indeterminado, gera “forte lesão a direitos sociais e à ordem econômica”; por tal razão, pleiteia que esse prazo “estendido e indeterminado” seja declarado inconstitucional pela Corte Suprema.

Não obstante a Ação Direta de Inconstitucionalidade tenha sido ajuizada em 2016, a crise instaurada com a Pandemia da COVID-19 foi fator fundamental que levou a PGR a apresentar pedido cautelar nos autos do processo, nos seguintes termos: “a atual conjuntura sanitária, decorrente da epidemia de Covid-19, constitui fato superveniente que reclama e justifica a imediata concessão da tutela provisória de urgência para o fim de serem suspensos os efeitos da norma impugnada”.

Em sua decisão, o Ministro Dias Toffoli reconheceu os impactos do dispositivo legal em questão nos mais diversos seguimentos econômicos, dentre eles o farmacêutico, “área tecnológica que conta com alguns dos maiores tempos médios de decisão técnica no INPI, conforme demonstrado nas informações apresentadas pela autarquia (Biofármacos 9,9 anos, Fármacos I 9,7 anos e Fármacos II 9,2 anos”. “(…) Salta aos olhos que o parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial incidirá sobre a maioria dos pedidos de patentes da indústria farmacêutica decididos em 2021, ou seja, a maioria dessas patentes terá vigência superior a 20 anos”.

Para o Ministro: “A indústria farmacêutica, mais uma vez, parece oferecer um exemplo didático acerca da importância da limitação temporal da patente, considerando a relevância de seus produtos e processos de produção para a saúde e para a vida das pessoas, bem como por serem fartos os estudos acerca do tema das patentes voltados para o setor.”

Ainda, considerando a extensão da decisão proferida, o Ministro Dias Toffoli apresentou proposta de Modulação dos Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, conferindo à mesma efeitos ex nunc – prospectivos –, com duas exceções, nas quais a decisão surtirá efeito ex tunc – retroativo –, quais sejam: “ i) sobre as ações judiciais em curso que eventualmente tenham como objeto a constitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI; e ii) sobre as patentes concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde.

Porém, não se pode perder de vista que a patente, mais do que uma ferramenta de proteção ao inventor – que passa a ter um direito exclusivo na exploração comercial de um produto, processo de fabricação ou de aperfeiçoamento de produtos e/ou processos já existentes –, é também um meio de incentivo ao processo inventivo e, de forma indireta, à produção tecnológica de um país, ao passo que estimula sejam pessoas físicas, sejam empresas, a desenvolverem novas tecnologias em benefício da sociedade.

Nesse aspecto, por mais que não se discuta a demora no processo de registro de patentes no Brasil – aproximadamente quatro vezes maior do que em países como EUA ou Japão –, e a necessária solução a tal problema, é igualmente necessário avaliar os impactos mercadológicos de decisões que alterem substancialmente o processo – ainda que, em tese, tenham por objetivo reduzir eventuais desigualdades.

E isso porque, atrelado ao tempo para a concessão e aos custos a ele inerentes, também influencia no inventor, a fim de que se decida por solicitar seu registro no Brasil, a legítima expectativa de que, ao final, possa obter ganhos com a exploração econômica do produto ou processo de fabricação patenteado, e por prazo condizente com o esforço empreendido.

Assim, há que se observar que, qualquer “solução” que retire do inventor a garantia de seu tempo de exploração econômica – frise-se, cujo prazo mínimo é protegido em decorrência da adesão do Brasil ao Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS) –, poderá, reflexamente, desestimular não apenas o registro de invenções no país, mas, e com consequências ainda piores, desacelerar o processo nacional de desenvolvimento e evolução tecnológica.

Diante disso, embora a Liminar concedida ainda deva ser submetida para referendo do Plenário do Supremo Tribunal Federal, não há dúvidas de que, se por um lado, ainda é cedo para mensurar as consequências práticas dessa decisão, de outro, é certo que tal fato constitui um importante marco nas esferas econômica, regulatória e concorrencial do Brasil.