Por Bruno Mendonça
Em matéria de contratos, prevalece a máxima de que o acordo celebrado entre uns, a outros não aproveita, ou seja, sendo um acordo de vontade, só produz efeitos em relação àqueles que o celebram, não afetando terceiros não envolvidos na relação contratual, é o que se convencionou chamar de princípio da relatividade subjetiva. Não obstante a sua relevância para conferir ao direito privado a segurança jurídica que lhe é indispensável, a doutrina jurídica, em resposta às demandas da vida prática, constituiu uma exceção ao princípio, por meio do instituto da “Estipulação em Favor de Terceiros”, segundo o qual uma pessoa estranha à relação contratual poderia se beneficiar das obrigações assumidas pelas partes contratantes.
O Código Civil brasileiro acompanhou essa orientação, admitindo sem reservas o pacto em favor de outrem, ao longo de seus arts. 436 a 446. Em razão de ter sido topograficamente inserido no Capítulo “Dos Contratos em Geral”, conclui-se tratar o instituto de cláusula contratual, podendo ser previsto nas diversas modalidades de contratos, como compra e venda, locação ou seguro. Apesar de conceitualmente simples, o instituto oferece grande complexidade teórica e um enorme leque de utilidade, razão pela qual nos últimos anos tem se revelado particularmente atraente aos olhos do Fisco.
A escassa literatura sobre o tema cumulada com o interesse das autoridades fiscais em forçar o enquadramento do instituto em qualquer que seja o fato jurídico tributário evidencia a importância de se debater o assunto, não por outra razão, a matéria, como se verá, já começa a ser levada aos cuidados do Poder Judiciário, que, mais uma vez, tem sido chamado a disciplinar as relações entre Estado e Contribuintes.
A esse respeito, há que se reconhecer que alguns Municípios, a exemplo da Prefeitura de Vitória/ES e de Belo Horizonte/MG, têm entendido que a “Estipulação em Favor de Terceiros” caracteriza uma prestação de serviços, a ensejar a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), ora como “agenciamento, corretagem ou intermediação de seguros” (Item 10.01 da Lista Anexa à Lei Complementar n° 116/03), ora como “administração em geral, inclusive de bens e negócios de terceiros” (Item 17.12 da Lista Anexa à Lei Complementar n° 116/03).
A despeito destes hercúleos exercícios de inventividade, é de se apontar que o entendimento encampado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, no que diz respeito à caracterização da “Estipulação em Favor de Terceiro” enquanto atividade autônoma, fere de morte a sanha arrecadatória dos entes fiscais, quando, por meio do julgamento do Recurso Especial n° 1.119.405/RS, assevera que:
A consideração exclusiva do elemento econômico pela municipalidade ofende as balizas legais de incidência do imposto sobre serviço, na medida em que, na conduta da associação, não se identifica a prestação de serviço, mas sim a representação de interesses da categoria, materializada na autuação da associação junto às seguradoras para obter maiores vantagens econômicas para os associados. A forma jurídica não pode ser olvidada e, quando passível de desconsideração, deve estar bem evidenciado o intuito de evasão fiscal, sob pena de ofensa à tipicidade tributária, com recurso à analogia, expressamente vedado pelo CTN (art. 108, §1° do CTN) (…)”Graças a complexidade inerente ao instituto, em especial quando o viés de observação se afasta da relação contratual propriamente para se debruçar sobre os direitos do terceiro (receptáculo da prestação), e à linha tênue que o separa de outros institutos tributáveis, a questão está longe de ser pacificada, mas, ao menos neste primeiro momento, a discussão se viu arrefecida pela orientação do STJ, a qual embora não possua o status de preceito de observância obrigatória, serve mesmo como importante norte para as decisões que se seguirão. Estamos de olho.