A Responsabilidade Pré-Contratual e o Princípio da Boa-Fé Objetiva

Por Welson Matos

Há, no meio jurídico, certo consenso – se é que em tal meio, isso é possível – no tocante à formação dos contratos, sendo certo que se busca, já na elaboração do instrumento contratual, resguardar as partes de futuras situações de litígio – ainda que extrajudicial; situações estas que, a bem da verdade, esperam os contratantes nunca cheguem a concretizar-se.

Em outras palavras, prepara-se um instrumento com vistas a tutelar discussões às quais, espera-se que nunca aconteçam.

E sob esse prisma, descortina-se um risco real ao qual as partes frequentemente se submetem – no mais das vezes, de forma inconsciente –, qual seja, restringir a responsabilidade dos contratantes tão somente aos pontos documentalmente estabelecidos.

Não se trata, aqui, da proposta, legalmente prevista nos art. 427 a 435 do Código Civil, a qual, nos termos da legislação mencionada, torna-se obrigatória, criando um vínculo jurídico, mas sim das conversações prévias nas quais as partes expõem seus interesses e expectativas para o futuro contrato, e que, por sua vez, embora sem regulamentação explícita, podem igualmente acarretar efeitos jurídicos aos participantes.  

Por tal razão, inclusive, e na esteira desse entendimento, o legislador civilista cuidou de dar especial atenção à intenção das partes: Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (art. 112, CC).

Isso porque, previamente à assinatura do instrumento contratual, “as partes discutem, ponderam, refletem, fazem cálculos, estudos, redigem a minuta do contrato, enfim, contemporizam interesses antagônicos, para que possam chegar a uma proposta final e definitiva.” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos: teoria geral. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 90).

Momento este em que, pode-se passar a existir responsabilidade das partes por ato ou comportamento desleal ou ilícito, exigindo-se desde então uma efetiva aplicação do Princípio da Boa-Fé Objetiva, com os efeitos, direitos e obrigações dele decorrentes, notadamente a adoção pelas partes de uma postura leal, sincera e, acima de tudo, confiável; ou, como veremos, mesmo por ato isento de má-fé, desde que do qual decorra dano ou lesão à outra parte, em consequência da expectativa nela anteriormente gerada.  

Tal entendimento ainda é bastante controvertido, principalmente pela inexistência de previsão legal que expressamente regule a questão da Responsabilidade Civil Pré-Contratual.

Porém, embora controvertido, tal discussão está longe de ser novidade, máxime porque, o dever ético de não prejudicar não nasce necessariamente do ordenamento jurídico, mas do conteúdo das tratativas e conduta das partes.

Jhering já demonstrava particular preocupação no tocante à ausência de proteção ao destinatário de uma declaração de vontade, explicitada na abertura de sua obra sobre o tema: “[…] durante a exposição da doutrina do erro existia desde há anos um ponto que me suscitava grandes dificuldades, ao qual não conseguia dar uma resposta satisfatória: a questão de saber se o errante não responde perante a contraparte pelo dano que, por sua culpa lhe causou.” (JHERING, Rudolf von. Culpa in contrahendo ou indemnização em contratos nulos ou não chegados à perfeição. Tradução de Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2008. p. 1.) 

            Nas palavras de Silvio de Salvo Venosa, a Responsabilidade Pré-Contratual decorreria, então, das promessas não cumpridas: “Trata-se do que a doutrina costuma denominar dano de confiança, dentro do que se entende por interesse negativo.”

Nesse cenário, não há dúvidas de que o Princípio da Boa-Fé Objetiva, previsto no art. 422 do Código Civil (Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé), deve ser o Norte a ser seguido desde as tratativas prévias, culminando em uma conduta ética dos contratantes.

E não por outra razão, a conduta esperada das partes contratantes traduz-se nos deveres anexos à citada Boa-Fé, quais sejam, lealdade, cooperação, colaboração, confiança, equidade e transparência, dentre outros.

Segundo Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Junior: “As partes devem guardar a boa-fé, tanto na fase pré-contratual, das tratativas preliminares, como durante a execução do contrato e, ainda, depois de executado o contrato (pós-eficácia das obrigações” (NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de direito civil: das obrigações, dos contratos e da responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2019. p. 410).

De outro lado, não se pode restringir a Responsabilidade pré-contratual tão somente às situações decorrentes de atos cometidos sob o pálio da Má-Fé, notadamente porque, se assim o fosse, estaria igualmente desprotegido o destinatário da declaração de vontade em casos que, embora agindo licitamente as partes, uma delas impusesse à outra – seja por equivocado entendimento das tratativas, seja por alguma posterior mudança no rumo das negociações – danos ou mesmo prejuízos.

Neste caso, ainda que por razões que não caracterizem má-fé, a quebra da legítima expectativa gerada em decorrência das tratativas e convicções até então firmadas pode, por sua vez, e a depender das circunstâncias, fazer surgir a necessidade da justa reparação.

E nesse aspecto, Regis Fichtner Pereira delimita que: A confiança que uma parte incute na outra, de que estão negociando para valer, tem no campo jurídico sentido mais restrito, já que não está em jogo o caráter puramente subjetivo da crença, no sentido de esperança, de uma parte, no sucesso das negociações. Está em questão a confiança decorrente de atos materiais da outra parte, que criam uma expectativa qualificada de que as partes chegarão a um consenso. (PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade civil pré-contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 330-331)

Não se esquece, aqui, que as partes têm a liberdade de contratar, ou não, e que, até efetiva conclusão do contrato, há o percurso de um, por vezes longo, caminho de tratativas. 

Até lá, via de regra, são as partes livres para procurar as melhores ocasiões e alternativas, no alcance de seus interesses, desde que, por outro lado, não haja uma ruptura abrupta, injustificada e arbitrária, sem uma justa causa ou violando a boa-fé esperada, o que poderá ensejar a responsabilidade pré-contratual.

Dito de outra forma, a Responsabilidade Pré-Contratual tende a ocorrer, mas, como visto, não se limitando a isso, quando do efetivo descumprimento, por uma das partes, da Boa-Fé Objetiva, eis que os deveres listados mostram-se, na seara pré-contratual, ainda mais importantes, pois, diante da inexistência de obrigação formalizada, configuram por si só o eixo comportamental esperado, atuando como verdadeiros balizadores da conduta das partes.

Tem-se, assim, que a possibilidade da responsabilização Pré-Contratual constitui importante ferramenta tanto de prevenção e sanção a atos ilícitos ocorridos em momento anterior à formalização do contrato, quando de tais atos decorrerem lesões ou danos à outra parte, quanto de reparação de danos, ainda que decorrentes de condutas lícitas, quando de tais atos restem frustradas as legítimas expectativas geradas em torno da concretização da negociação.