Os Reflexos da Nova Lei do Ambiente de Negócios na Citação Processual

Por Welson Matos

Em 26 de agosto foi sancionada a Lei 14.195/2021, também conhecida como Lei do Ambiente de Negócios, com objetivos declaradamente voltados à modernização do ambiente de negócios no país. 

Assim, sob o palio do estímulo ao desenvolvimento econômico, da desburocratização e da facilitação da atividade empresarial, e sem prejuízo de tratar-se, em sua gênese, de Medida Provisória convertida em Lei, a nova legislação adentrou, inclusive, na seara processual cível.

 Dentre outras medidas, a norma mencionada alterou substancialmente o Código de Processo Civil, notadamente no tocante ao procedimento de citação da parte, a qual passou a ser “feita preferencialmente por meio eletrônico”, em substituição – tão somente em ordem de preferência – à citação por correios trazida, como regra, pela redação original do código processual civilista.

E aqui, vale relembrar que a citação – “[…] pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”, conforme disposto no art. 238 do CPC – é ato solene, cujos objetivos e consequências vão além de tão somente integrar os sujeitos da relação jurídica processual, eis que constitui imprescindível requisito de validade de todos os atos processuais posteriores e, consequentemente, do próprio processo. 

Nesse cenário, a nova redação assim dispôs: A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça. (art. 246, CPC).

Cumpre desde já dizer que não se busca, no presente artigo, realizar qualquer forma de combate à “racionalização processual” pretendida com a iniciativa legislada, e muito menos desqualificar ou diminuir a importância que os avanços tecnológicos têm agregado ao ambiente jurisdicional; há que se ter em mente, porém, que não raras vezes, alternativas potencialmente boas terminam por desaguarem em não mais que boas ideias.

No caso da citação por meio eletrônico, o que se observa, desde sua introdução, é que a falta de debate com a comunidade jurídica especializada resultou em verdadeiros calcanhares de Aquiles, capazes de não apenas inviabilizarem sua efetiva aplicação, mas consequentemente conduzirem-na à categoria de letra morta.

E simples leitura do já transcrito caput do art. 246 é suficiente para exemplificar o que se diz, eis que expressamente determina que os endereços eletrônicos (e-mails) utilizados para a citação serão aqueles (i) indicados pelo citando (ii) no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.

Traduzindo, para o efetivo início de tal modalidade de citação, deverá o Poder Judiciário criar banco de dados sujeito a regulamentação do Conselho Nacional de Justiça, no qual, a partir de então, deverão as partes indicar seu endereço eletrônico. Como se implementar, então, na prática a nova regra, se dito banco de dados, ou mesmo sua específica regulamentação, tal como mencionada, inexistem?

Não se pode esquecer, neste ponto, que a citação por meio eletrônico já era prevista na redação original do mencionado art. 246 do CPC, em seu inciso V e §1º, onde se determinava não apenas sua preferência, mas também a obrigatoriedade de “empresas públicas e privadas” manterem cadastros em sistemas que permitissem tal espécie de citação.

Na esteira dessa normativa anterior, em 2016 o Conselho Nacional de Justiça – CNJ –, por meio da Resolução 234/2016, regulamentou a “plataforma de comunicações processuais” do Poder Judiciário, apontando por sua vez a obrigatoriedade de cadastro “para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta, bem como as empresas públicas e privadas, com exceção das microempresas e empresas de pequeno porte”(artigo 8º, §1º) e a facultatividade de referido cadastro para “pessoas físicas e jurídicas não previstas no parágrafo anterior” (artigo 8º, §2º).

Porém, nada mais do que isso foi concretamente realizado, frise-se, no tocante ao quanto determinado pelo diploma civilista já em 2015.

E sem adentrar às demais discussões – por exemplo, acerca da ausência de sanção prevista caso a parte não informe qualquer e-mail ao já mencionado banco de dados – verifica-se que a dificuldade na implementação de tal modelo de citação reside justamente na inexistência de mecanismos eficientes à sua efetivação, quer seja uma regulamentação definitiva pelo CNJ, quer seja a criação, em concreto, dos bancos de dados pelos órgãos do Poder Judiciário.

A título de exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme comunicado emitido pelo próprio órgão, iniciou somente em 2020 o projeto de cadastramento de empresas, sendo um dos pioneiros – em que pese o tempo transcorrido desde a vigência da norma processual – a estabelecer iniciativa organizada no sentido de atender ao quanto disposto pelo legislador, que agora, espera-se, supra as deficiências existentes tanto para a determinação trazida originalmente pelo CPC/2015, quanto para a novel sistemática.

Assim, embora possa ser considerada louvável a intenção da “reforma processual” intentada, é certo que, por essas breves linhas, nota-se que permanece ainda insolúvel o principal problema que obstava a execução da citação por meio eletrônico já prevista anteriormente, qual seja, as próprias partes manterem prévio cadastro junto a banco de dados disponibilizados pelo Poder Judiciário para este fim, em plataforma unificada de comunicações judiciais.

Conclui-se, nesse aspecto, que as mudanças trazidas pela Nova Lei do Ambiente de Negócios – Lei nº 14.195/21 –, ao menos em relação a esse aspecto, mostram-se na prática pouco assertivas, sendo necessário que o amadurecimento de tais alterações legislativas ocorra na esteira de debates entre os atores envolvidos na racionalização processual que se busca, cabendo inicialmente ao Poder Público, na parte que lhe cabe, garantir que o objetivo almejado pelo legislador não reste inviabilizado pelos obstáculos encontrados, inerentes à toda e qualquer evolução que intente empreender.