A “MP DO VOO SIMPLES”: MAIS DO QUE SIMPLIFICAÇÃO, ATUALIZAÇÃO E COMPETITIVIDADE PARA A AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA

Por Luís Toscano

Os últimos dias de 2021 foram marcados por uma grande notícia no âmbito da aviação civil brasileira: a publicação da Medida Provisória 1.089/2021, a chamada “MP do Voo Simples”. A referida MP foi publicada no Diário Oficial da União já “aos 45 minutos do segundo tempo” do ano passado, em 30/12/2021; entretanto se engana quem pensa que tal MP tenha sido feita de maneira corrida ou de repente: na verdade a Medida em questão é resultado de diversas consultas públicas e de anseios muito antigos do pessoal envolvido no setor, visando a modernização de dispositivos legais e normas dentre os quais alguns vigentes desde as décadas de 70 e 80 (caso das Leis 6.009/1973 e 7.565/1986). 

Para melhor ilustrar a importância de tais atualizações, destaca-se que a Lei 6.009/73 trata da utilização e exploração de aeroportos e de infraestrutura de navegação aérea. Desde o início da década de 70 até o presente momento, é indiscutível que ocorreram mudanças significativas nos âmbitos geográfico, populacional, demográfico, econômico e mesmo político, que necessariamente demandam mudanças nas políticas de taxas e tarifas aeroportuárias. Além disso, é necessário considerar o surgimento de novas tecnologias de navegação, em especial por meio de satélites e da popularização do uso de GPS, que vêm cada vez mais suplantando as mais antigas tecnologias de radio-navegação, entregando muitas vezes funcionalidades mais acessíveis, menos custosas e mais precisas e seguras, trazendo indiscutíveis avanços à aviação civil brasileira, seja no âmbito da aviação regular, seja no âmbito da aviação geral e de taxis aéreos. 

Assim, a nova redação trazida pela MP, além de passar a considerar estes novos avanços tecnológicos e a considerar o novo contexto macroeconômico em que inserida a aviação brasileira, delega explicitamente para a ANAC (agência reguladora do setor) a responsabilidade sobre o estabelecimento de regime tarifário de exploração aeroportuária, se coadunando com as recentes privatizações que vêm sendo realizadas no setor de administração dos maiores aeroportos do país (de modo que a reguladora aja no sentido de fiscalizar e regulamentar as regras a serem praticadas pelos entes privados), prevendo também que os recursos provenientes dos pagamentos das referidas tarifas se convertam em receita própria das administradoras de aeroporto, ao invés de se restringir apenas às entidades da Administração Federal Indireta que realizassem tal função. Assim, se garante a sustentabilidade das concessões em questão e o avanço pretendido quanto à infraestrutura do setor, ao mesmo tempo em que se busca a proteção dos direitos dos consumidores e o interesse social dos brasileiros.

No âmbito da Lei nº 7.565/1986, também conhecida como o Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA, merecem destaque especial as seguintes alterações: o fim da distinção entre serviços aéreos privados e públicos; a liberação de utilização de aeródromos privados por meio da simples autorização de seu proprietário (em que pese a vedação de exploração comercial dos mesmos, passa-se a dispensar os dispendiosos e longos processos de homologação e registro); a retirada da necessidade de prévia autorização da autoridade aeronáutica para a construção de aeródromos; o fim da previsão de que a exploração e operação de aeroportos e heliportos e seus serviços auxiliares sejam monopólio da União ou das Entidades da Administração Federal Indireta; autorização para utilização em aeronaves experimentais de componentes não homologados, desde que não prejudiquem a segurança de voo, com flexibilização das regras estipuladas para a concessão de certificado de aeronavegabilidade destas aeronaves experimentais; dentre outros.

Em suma, trata-se de dar maior autonomia à Agência Nacional de Aviação Civil para regular o setor, o que se alinha ao que já disposto quando do Decreto-Lei nº 200, de 1967(!) no que diz respeito à atuação das autarquias e demais entidades da Administração Pública indireta, além, claro, da própria lei de criação da ANAC, Lei nº 11.182/2005. Assim, em que pese esta defasagem de algumas décadas, busca-se – finalmente – delegar a regulamentação do setor a pessoal técnico e capacitado para tal, ao invés de se permanecer preso ao custoso processo legislativo para revisão, atualização e criação de novas regras que acompanhem uma área tão dinâmica quanto a aviação civil.

Espera-se, com isso, uma maior eficiência em todos os âmbitos do setor aeronáutico (inegavelmente impactado de modo gigantesco pela pandemia de COVID-19), desde a fabricação de aeronaves até a atuação das grandes companhias aéreas, podendo se tornar assim um importante vetor de recuperação econômica em um país de dimensões continentais e que, cada vez mais, clama pela integração eficiente e pelo desenvolvimento amplo que a acompanha. Dentre outros benefícios a serem apontados, é oportuno destacar a geração direta e indireta de empregos (com uma possível retomada dos setores de turismo e de viagens corporativas); maior eficiência logística para os setores produtivos e que dependem de importação, exportação e transporte rápido de produtos perecíveis; além do surgimento de novas concorrentes nos diversos ramos da atividade aeronáutica e de prestadores de serviços correlatos.